sexta-feira, 23 de julho de 2010

Passagem pra Cordeiro

Eram mais de onze horas da noite.

"Não vai vir ônibus não, mulecada."
"Começo o pessimista, ó!"

Éramos cinco. Eu, Bernardo, Zaca; Gogó e Nec.
Quatro ônibus já haviam nos deixado pra trás, entupidos de gente. Tanta gente enfurnada dentro ônibus que respirar era um luxo e soltar um pum era crime inafiançável.

E depois desses ônibus, um hiato de mais de meia-hora se extendia...

"Puta que pariu ein... tá foda!"
"Calma, calma... olha lá... é um ônibus lá?"

E veio chegando... devagar, sozinho, aquele conhecido ônibus da 1001...

"Deve estar indo pra garagem, não pode ser."
"Garagem é o meu cara...ter! É pra cordeiro! Uhul!"

O ônibus se aproximou. Parou ao nosso sinal. Estava absolutamente vazio, com excessão do motorista e do cobrador.

Subimos.

- x -

- Que sorte, que sorte, não? - disse Gogó
- Lol cara! Sorte nada, eu que sou foda e falei pra esperarmos aqui na frente! - rebateu Nec, rindo. Todo mundo estava rindo, aliás.

O pessoal se acomodou nas cadeiras do fundão. Eram cinco cadeiras no fundo, numa daquelas coincidências que só seria mais sinistras se eu acreditasse em coincidências. O motorista calvo só olhava pra frente, numa concentração digna de alguém hipnotizado. O cobrador, de pele morena, dentes amarelos e num sorriso que não era nem felicidade nem simpatia, sentava numa cadeira ao lado do motorista.

Era noite, lembra? Mas ao entrar no ônibus, aconteceu de anoitecer de novo. Tive essa sensação pelo menos, como se uma sombra simplesmente estivesse lá, no ônibus.
Mas claro, era só uma sensação.

- ... mas é claro que não é sorte! Olha só, quantos ônibus passariam aqui? - discursava Nec, tentando defender a teoria "não interessa porra!" dele.

- Esse é o último. - falou o cobrador, que se aproximara da gente pra ouvir a conversa.

- Tá vendo, Nec? Pegamos o último ônibus e você acha que não foi sorte? - argumentou Gogó.


E a discurssão deles continuava, mesclando o non-sense e os palavrões, num debate de risadas e risadas. Enquanto isso, eu olhava pela janela, sentado no meu canto, quieto. Passávamos em frente ao cemitério naquele momento, e eu olhava pra lá.

Nessa mesma hora que Gogó me perguntou:

- E você, Fefe, acha que foi sorte? Manda um pensamento aê sobre sorte!

- Eu não acredito que teríamos tanta sorte. - respondi, dum jeito que só pessoas encarando cemitérios sabem fazer.
- Fefe é gayz a lot. - falou Bernardo.

- Ah, larga de gayzice e mau-humor, estamos indo pra cordeiro e... - E assim foi Nec falando, e eu simplesmente ia ouvindo e abstraindo, olhando pro cemitério.

O cemitério me olhava? Não, isso não existe... Mas... havia um entendimento. Eu olhava pro cemitério e algo apertava em minha garganta.

Me veio um pensamento.

- Galera - falei - o que vocês fariam se fossem morrer hoje?

- Lol, cara, não come ninguém e fica pensando essas merdas! - disse Nec

- Porque da pergunta? O emozinho tá pensando em se matar hoje, é? - falou Bernardo, zoando. Gogó riu e Zaca também, fazendo coro com "é emo mesmo, puta que pariu".

O cobrador, então, quebrou o clima de zuação:

- O rapazinho ali fez uma boa pergunta. - falou ele vagarosamente. O encarei, e tive o mesmo pensamento que me ocorreu ao encarar o cemitério.

E anoiteceu de novo, e agora não fui só eu quem teve a sensação, dava pra perceber pelo silêncio.

O ônibus passou pela rodoviária... A rodoviária estava vazia.

- Galera - e lá ia eu fazer outra pergunta macabra - o que vocês fariam caso já estivéssemos mortos?

- E porque você acha que estaríamos mortos, Fefe?

O cobrador começou a rir...

Ninguém estava rindo.

E um grito ecoou.
Outro grito.
E outro.
E o ônibus não parou.

E se eu fosse você, olharia pra trás.

2 comentários:

  1. Que merda, hein...
    eu olhei pra trás. =p

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  2. Bem, mais ou menos a história verdadeira... tirando o fato do cobrador estar a 3 mestros de distancia da gente e da galere do morro conhecidíssimo de friburgo estar cantando "E joga tiro pro alto" num tom sinistro... naquela hora eu senti anoitecer mermo xD ^^

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