domingo, 3 de outubro de 2010

03 de Outubro.

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"Conselho que eu ouvi darem a um jovem: 'Faça sempre o que você tem medo de fazer.' "
Ralph Waldo Emerson

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- Ué, o que tá acontecendo? - perguntou uma velhinha encurvada, enquanto olhava pr'quele mar de gente curiosa.

- "Num" sei - resmungou alguém perto da velhinha.

- Deve ter sido briga - sugeriram de supetão.

A velhinha só acompanhava a cena. Em torno da Escola Estadual CIEP 322, um aglomerado de gente se espremia, galgando posições pra verem alguma coisa. Ela observou mais um pouco aquilo; Viu o cinza da calçada, as caras desconfiadas, ouviu de longe a barulhada dessa juventude babaca e logo ficou entediada. Não tinha ninguém ali que ela conhecesse pra perguntar, então não adiantava ficar ali parada. A velhinha deu um suspiro, falando baixinha "é, vou entrar que é o melhor que faço"... E como é de costume, ninguém ouviu ela.

Que azar da velhinha! Cabou perdendo o melhor da cena, tadinha! Ela entrou em casa e...

E explodiram uma bomba no CIEP 322.

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Lá estava eu na Sniper, pra variar. (aliás, pra quem não conhece, a Sniper é uma Lan House daqui de BJ)

Eu tinha acabado de chegar, a loja estava quase vazia, tirando um sujeito usando a internet que eu não conhecia e o Suel jogando o ps3, enquanto não tinha ninguém pra atender. A TV estava ligada, e passava nela uma das bobeiras de sempre da eleição.

- É Suel... esse seu patrão escravocrata é foda ein. Mandou você abrir a loja até no dia da eleição?

Suel me olhou com uma cara meio puta.

- Não falo nada, rapá. Se acha que eu estaria aqui atôa? O Eduardo tá pagando como se fosse hora extra.

Pensei em responder "É, tio patinhas, depois que você arrumou namorada agora tá gastando e precisando de grana, né?", mas não compensava provocar o cara assim. Enquanto eu pensava em qualquer outra coisa pra dizer, cabei só falando "É..."

Foi quando apareceu o Nec lá na Sniper, de camisa social e com a cara vermelha, suando. Ele chegou do jeito espalhafatoso dele, como se fosse o dono da Sniper.

- Mulecada, "cês" não vão acreditar.

- Fala, Nec. - cumprimentei ele. Suel só olhou pra cara dele.

- Explodiu uma bomba aqui em Bom Jardim! Lá no Ramiro.

- Larga de ser caôzero, Nec! - Suel retrucou.

- Tô te falando sério! Suel, pra quê diabos eu mentiria sobre isso, cara?!

- Aham, tá Nec. - respondeu Suel virando os olhos pra cima, com desdém.

Eu não tirava a razão do Suel naquele momento. Nec era um mentiroso de marca maior, acreditar nele era como escrever "eu sou trouxa" na testa.

Mas o destino parece que adora pregar certas peças. Estava eu mentalmente duvidando do Nec, quando tocou a musiquinha do Plantão Globo na TV. Olhei pra TV, Suel também.

"Atentado terrorista no Rio de Janeiro... Uma bomba, de pequeno porte, explodiu numa zona eleitoral do bairro Botafogo... um eleitor que estava na urna no momento sofreu ferimentos leves de queimaduras..."

- Caralho! - saiu em uníssono o que eu, Nec e Suel falamos.

A musiquinha então tocou novamente.

"Estamos aqui em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, e acabamos de receber a notícia de um atentado..."

Dessa vez só o Nec falou, em alto tom:

- Eu falei, eu falei, porra! Que doideira! Nego tá explodindo tudo!

- Não é possível... - Suel falou, pegando o controle.

Ele foi mudando os canais, um por um.

"Recebemos agora a notícia que foi houve uma explosão..."

"Em Gyn, no estado de Goiás, acaba de..."

"Não dá pra acreditar! A urna de..."

Suel parou de mudar de canal quando chegou no Datena, na Band, que comentava indignado: "Isso é um ataque à toda sociedade brasileira! Nem a democracia podemos exercer em paz nesse país!"

- Cara, vamos lá ver o que há no Ramiro, Nec? - eu disse.

- Ah, agora se tá acreditando em mim, né? Ué, e cadê o 'Larga de ser caôzero, Nec'?!

- Vamos lá ou não vamos?

- Vai você, ué. Quando eu falei... - E enquanto o Nec ia falando, justificando ser o dono da verdade, eu falei um "volto já" e sai a passos apressados da Sniper, com a cabeça a mil.

Desci as escadas da Sniper correndo, pensando em chegar lá rápido. Pela primeira vez na minha vida, estava vivenciando algum movimento de revolução, ou anti-revolução, ou seja lá o que fosse aquilo. E mesmo que eu não pudesse fazer nada, porque parecia ser algo muito maior (já que envolvia o país inteiro) aquele sentimento de emergência que fica encarcerado na maior parte do tempo finalmente tinha arrumado um motivo pra ser verdadeiro.

Eu ia descendo as escadas sabendo que não tinha o que fazer.

Mas sabia que melhor momento que esse pra fazer algo importante eu não teria.

Melhor momento que esse, não.

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Encontrei com o Bernardo na entrada do prédio da Sniper, quando terminei de descer a escadaria.

- Indo aonde, champz? - ele perguntou.

- Lá no Ramiro.

- Fazer o que lá?

- Descobrir uma coisa.

- Ih, pronto... pirou de vez. Que que houve, ô comédia?

- Relaxa, que já volto já. Depois te explico.

Continuei andando, deixando Bernardo lá parado, com cara de "hã?".

Segui andando. Atravessei a rua quase deserta, e fui seguindo em frente, até a ladeira que era caminho pro Ramiro. Parei na frente da ladeira, e minha própria voz ecoou na minha cabeça: "É, tá, eu vou no Ramiro, e daí? Que vou fazer lá?"
Não tinha muito o que fazer lá. Ia provavelmente ter policiais lá, se realmente explodiu uma bomba, e pensando bem, eu já não vou muito com a cara da polícia, nem ela com a minha, se eles decidem me chamar de anarquista lá e me levarem, até eu explicar que focinho de porco não é tomada...

Anarquista... a palavra ressoou de novo no meu pensamento.

Foi quando eu lembrei dela.

É, eu não tinha que ir no Ramiro. Tinha que ir na casa dela. Ela falou que não sairia de casa hoje, e não tem pessoa melhor pra saber sobre isso do que ela.

Mudei meu rumo, ignorei a ladeira e segui em frente, até chegar na esquina do final da rua. Virei à direita na esquina e desci pela rua levemente inclinada que tem lá.

Cheguei na frente da casa dela, e como sempre acontece quando eu chegava na frente da casa dela, de início a voz faltou. Enchi o peito de ar. Chamei ela.

Uma vez. Duas. Três. Ela não estava em casa, pelo jeito.

Sentei na calçada, na frente da casa dela. E agora?

Depois de cinco minutos, descobri que não adiantava ficar lá sentado. Gritei ela mais uma vez, na esperança, mas não adiantou. Levantei... e quando fui andando, dois passos depois, ouvi um "espera".

Engraçado, porque não era a voz dela. Mas eu reconheci de quem era a voz.

- Você tá sozinho? - ele perguntou, ao aparecer da sacada da casa dela.

- Aham.

- Sobe aqui.

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Continua...

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