sábado, 6 de novembro de 2010

O café estava acabando. Chovia lá fora.
Era dia, uma manhã cinza. A mesma música estava tocando já tinha mais de horas.
Quase um ritual de escritor.

Se você não se importa, quero te pedir uma coisa.

Quero que você acompanhe o processo, acompanhe o passo-a-passo de como nasce um texto chato daqueles que nem eu consigo ler até o final. Um texto, que acidentalmente, vai se tornando obscuro ao invés de profundo, que vai se tornando sincero ao invés de interessante, que vai se mesclando comigo ao invés de parecer contigo.

Porque, além do café, da chuva, da manhã cinza e da música, quero que você me imagine. Ou imagine a si mesmo(a) sentado aqui, com a cabeça abaixada, os braços cruzados, o rosto encostado nos braços. E no fundo, no fundo, você tentando não prestar atenção em nada, só nos próprios pensamentos. Você imagina um campo, uma casa, um cenário. Uma lareira. Tenta buscar coisas quentes, mensagens positivas, cenas diferentes.

Levanta o rosto, olha pro papel em branco. "Não, não é isso", pensa. Toma outro gole do café que está esfriando, ergue os olhos, enfrenta o papel de novo.

Um "pra quê estou fazendo isso?" passa pela sua cabeça.

Você escreve três palavras:

Acho que encontrei.

"E agora, José?" é o que você diz pra si mesmo, lembrando dos versos tão famosos.

Aí você lembra pra quê está fazendo isso. E guarda segredo, acha que é errado, suspeita de ser um invejoso. Como um invejoso pode escrever sem sentir-se culpado?
E vem a culpa.
E você lembra: "Não, isso não é pra mim, isso não é por mim, não vou escrever só pra mim. Vou escrever algo que alguém queria ler".

E você, daqui, da sua cabeça, começa imaginar como o outro deve ser. "O que será que as pessoas estão fazendo?" lhe vem a cabeça.

O café acaba. Você abaixa a cabeça de novo. A música continua, parte do ambiente. Aliás, até você vira parte do ambiente, vira cenário. E o que se passa são as pessoas que você conhece: uma garota que gosta de escrever, um amigo que só joga poker e não tem paciência pra ler nada, um professor que procura algo que você não sabe, uma outra garota que tem olhos inconfundíveis, um outro amigo que só ouve funk e aquelas coisas que colocam pra ele ouvir, e aquele colega de trabalho que só fala de problemas, e vai indo....

Você cansa, então, de tentar pensar nas pessoas. Tenta não generalizar, mas vai se tornando complicado.

De novo, o papel. Ainda está lá escrito as suas palavras.

Acho que encontrei.

Bate uma vontade insuportável de apagar as três palavras. Não adianta, isso não vai sair daí. Eu não encontrei, essa é a verdade.

Você então procura mais café, o café já acabou faz tempo.
Você então lembra que tudo acaba.
Pra quê quero fazer isso, se tudo acaba?

Então você lembra de toda merda que parece ser eterna. Se tudo acaba, porque a violência continua? Porque o tédio continua? Porque essa esperança continua?
Nem a certeza de que tudo acaba você tem. Então, continua.
Parece a coisa mais heróica do mundo, mas não é. Não tem heroísmo algum. Na realidade, ainda é uma pessoa, num dia de chuva, ouvindo a mesma música, de braços cruzados e a cabeça encostada nos braços.

E você fecha os olhos.

Acho que encontrei
Te encontrei
Aqui


Mais três palavras. Dá vontade de envolver toda a situação, os olhos fechados, a revelação da sua necessidade de atenção, o seu futuro, e tudo que passou, tudo! Colocar tudo nos próximos versos.
Mas vai ser muita coisa, tanta coisa, que enquanto vai passando pela sua cabeça, você vai esquecendo.

E no final, você resume tudo:

Acho que encontrei

Te encontrei
Aqui.
Fique, por favor.


É, eu sei. Pra quem não acompanha o processo, os versos não fazem sentido.
Espero que pra você, eles façam.
Porque eu não aguento mais quando eles não fazem sentido.
E escrevo por isso.

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Essa postagem saiu também no Autores S/A. (http://autoressa.blogspot.com) Mas acho que vai ser a única postagem que os dois blogs vão ter em comum.

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