sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Olhos

Ele veio até a clínica.

- Doutor, o senhor precisa me ajudar.

Se existe algum equilíbrio perfeito entre desespero e consciência, foi com esse equilíbrio que ele falou.

- Bem, qual é o problema, rapaz? - perguntei.

- São meus olhos, doutor. Eu preciso que você os arranque.

- Como é?

...

- Meus olhos, doutor. Não aguento mais viver com eles. O senhor poderia me ajudar?

Ajustei-me na cadeira da clínica. Olhei-o frente a frente. Inspirei, coçando o cavanhaque devagar.

- Não.

- Doutor, o senhor não est....

- Isto aqui é um consultório para problemas sérios, rapaz. Não tenho tempo para delírios desse tipo.

Ele abaixou a cabeça. Respirou fundo. Pausadamente, foi levantando o olhar até confrotá-lo com o meu.

- Escuta, seu filho da puta. Você deve estar achando mil merdas, me julgando, como todos julgam, mas o que te vim pedir aqui não é brincadeira. Eu tenho dinheiro que você precisar, tenho motivos.

Senti o sangue subir. Ele me afrontava. Considerei expulsá-lo da clínica naquele momento. Mas ele poderia estar armado. Lembrei de uma conversa de bar, que um amigo disse uma vez: "vai ver, as pessoas enlouquecem só porque ninguém as escuta"

- Porque diabos você quer que arranquem seu olhos?

Ele pareceu ter entendido minha mudança de ânimo. Mudou o dele também, refletiu um pouco, fazendo aquela mesma cara que um palestrante questionado por algo que nunca tinha pensando antes faz.

- Eles afrontam a sociedade. Eu gosto de olhar pra pessoas, doutor. Nasci assim, vou morrer assim. Mas as pessoas parecem que não gostam que eu olhe para elas. Elas ficam desconfortáveis, e não se importam nem um pouco em demonstrar isso.

O olhar fala, doutor. As pessoas são lindas, e eu olho para elas. É o meu jeito de dizer: você é linda. Mas não é isso que elas entendem. Estão acostumadas a ter medo de quem as olha, como se o olhar aprisionasse. Como se, apenas olhando, estivesse eu estuprando, violentando, roubando e matando elas.

O pior dos crimes, pois culmina em todos eles juntos, passa a ser o olhar. As pessoas nem olham de volta, evitando cometê-los. Aliás, nem olham pra mais nada. Foda-se se tem alguém sendo roubado, passando fome ou chorando: elas não olham.

Invejo elas, doutor. Queria ter esse auto-controle e não olhar pra mais nada.

Mas não tenho. Então, arranque meus olhos.




quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Brado da Vela



Sobre esse tanto de amor,
Vejo as pessoas amando
E me sinto traído.

Sei, o amor é a resposta,
Mas com tanto amor imploro
Porra, não me deixem de fora!

O amor é a resposta...
Não me deixem de fora
Não me deixem lá fora.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Os sábios sabem sobre o tempo
Se vai chover
Se vai dar flamengo

E conversam bem ratio
Mesmo quando escravizados
Em construções desumanas
Como mansões e estádios

Eles conversam, leves
Mesmo que presos
Carregando erros e pesos
Pelo pátio
Ou você ainda acha
Que bandido também não é sabio?

Eu quero entender melhor
Se o que vem aí é uma revolução

Ou se é nada,
Com mais vendas
E mais valas.

E você?
O que você quer entender?