quinta-feira, 23 de julho de 2015

Tatuagem

Cheguei no estúdio dela às dez e meia. Meia hora mais cedo do que o marcado, mas por sorte o outro cliente dela já havia saído. Eu estava sentado em sua sala de recepção: havia vários quadros com  tribais, posters de bandas (Nirvana, Zeppelin, Green Day), uma estante - em cima uma jarra de vidro com uma rosa murcha, e a porta dobrável branca de onde saiu a Victoria.

- Engraçado, tinha certeza que você ia se atrasar. - comentou ela, no alto de seus um metro e meio de altura, com os seus jeans rasgados, a camisa de flanela, o all-star cano alto todo desenhado com bailarinas e sua touca preta, colocada em diagonal de forma que escondia um de seus olhos.

- Pô, eu também cara. - disse rindo. Dei um abraço para cumprimentá-la, nos afastamos e ela disse: "vamos?". Fiz que sim com a cabeça. Ela entrou pela porta dobrável e eu a segui.

Sua sala de "operações", como ela costumava brincar, realmente lembrava uma sala médica. Era toda verde clara, espantosamente limpa, com uma luminária de teto que centralizava a luz por cima de uma cadeira acolchoada, longa e com apoio para os pés e cabeça. Do lado, uma pia de inox, descanso para o braço e os equipamentos de trabalho. Do outro, uma escrivaninha com vários papéis desenhados, latas de tinta e um computador de mesa.

- Então... qual vai ser? - ela perguntou, enquanto lavava as mãos na pia.

Tirei o papel dobrado do bolso e entreguei nela. Ela enxugou as mãos, pegou o papel, olhou e levantou a sobrancelha.

- Um três e um oito? É isso?
- É isso. Dá uma estilizada neles, se tiver como.
- E vai ser na mão direita mesmo?
- Na mão direita. Nesse espaço aqui ó.

Ela pegou um lápis de ponta preta e marcou quatro pontos, como se fossem pontos cardeais, no espaço da minha mão que indiquei.

- Vai ser colorida ou só em preto? - ela perguntou.
- Só em preto.

Ela disse um "tá" meio cortado e apertou alguns botões no equipamento dela. A agulha deu um zumbido e parou.

- Senta aí. Olha, você escolheu uma área que vai doer um cado, ainda bem que o desenho é pequeno e só em preto. Mas você vai ter que aguentar, beleza?
- Tô ligado. - respondi, enquanto sentava na cadeira. Coração disparado, hei de confessar.

Ela foi até a escrivaninha, lavou novamente as mãos, calçou um par de luvas brancas descartáveis e voltou. Moveu a cadeira, ajeitando minha posição, pegou meu braço e colocou em cima do descanso.

Olhou sério pra mim e disse:

- Tá, antes de começar, preciso te perguntar uma coisa séria. Porque esse 3 e 8?

Respirei fundo. Devolvi o olhar:

- Pra lembrar-me sempre uma coisa.

Ela levantou de novo as sobrancelhas:

- Lembrar o quê?

Sorri:

- Que se eu tivesse antes um trinta e oito na mão, não estaria aqui pra contar esta história para ninguém.

terça-feira, 14 de julho de 2015

Todas os hails para mim, o rei do "o que aconteceu? - nada, esse é o problema"

E é esse o problema.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Ai, deus me dera o amor
Se dividisse como se divide a terra
E coubesse um pedaço pra mim
Até mesmo emprestado, quem me dera!

Ela estaria comigo
Comigo, com ele e com ela
Aceitaria, se ao menos pudesse
Dividir amor me basta e festa

Pois dividir é o que me resta
Conquistei até onde poderia
É impossível seguir adiante.

O coração tão frágil dela
Já tem dono até mesmo antes
Do dono anterior
Abandonar o certame.

(e adivinha? não há tempo pra mim!)
Em 1968, Jim Morrison cantava: "a música é o seu único amigo... até o fim."

O problema é que dia após dia você sabe que essa frase é mentira. Passe um recado no whatsapp e você sabe que é mentira. Uma volta na rua, uma conversa distraída. É mentira dele. Fale algo com que você goste e receba um sorriso: é mentira.

Mas. Contudo. Entrementes. No entanto...

Tem horas que só essa música traduz aquilo que te incomoda.