domingo, 14 de fevereiro de 2016

Belle Époque

Era uma noite daquelas, fim de noite mesmo. "Fim de carreira", ela havia dito rindo. Havia mais brahmas espalhadas pelas mesas e cantos que pessoas pelo salão, e isso era um bom sinal.

No fundo do bar, um karaokê embalava os amigos dela e os amigos que ela acabara de conhecer e fazer.

Era a sua vez de cantar. "Valeu a pena, ê ê, valeu a pena, ê ê...". Ela dava uma espiada por trás do ombro, rindo. O coro improvisado, meio disperso, balançava os braços em ondas no ritmo da música, enquanto cantavam junto o sucesso do Rappa.

Quando a música acabou, acompanhado dos "uhuls", palmas e assobios, ela abraçou rápido um de seus amigos e se desvencilhou do público para o meu lado.

- Você é a melhor que nós temos! - eu disse, rindo, dando um beijo na testa dela. Ela riu também, se aconchegando perto de mim. Levantou os olhos castanhos, em direção ao meu olhar... mas com um semblante distinto no rosto.

- Algo de errado? - perguntei.
- Tô preocupada. - ela respondeu, ajeitando uma de suas madeixas loiras.
- Com?
- É que eu tenho pensado demais em você. E tá muito recente pra isso. Tá muito rápido, sabe? Tá, tipo, errado, não sei. Proibido.

Abaixei a cabeça pra olhar ela melhor. Respirei.

- É que você está sentindo o tempo do jeito errado. - falei cada palavra devagar, com calma. Sério, mas com rosto feliz.

O rosto dela logo mudou de preocupada para curiosa:

- Do jeito errado? Você vai ter que me explicar, porque não entendi.
- Bem... lembra quando você me contou a sua história de pequena, lá em Manaus, do boi preto e boi bom e da disputa entre eles?
- Sim, sim.
- Então, você não deve ter demorado mais do que cinco minutos pra contar. Mas cada palavra sua, cada descrição, me transportava até lá. Aos poucos, eu vivenciava através de você os anos que você passou lá, alongando os cinco minutos da história pra verdadeiros dias, meses, que você viveu e compartilhou. Posso até estar enganado, mas você enquanto contava, não teve a sensação também de alongar o tempo não?

Ela não respondeu, apenas olhou mais intrigada.

- Quando eu te contei da forma que meus pais se conheceram, como você se sentiu? - perguntei.
- Euu... não sei descrever assim como você. Mas acho que consegui imaginar eles mesmo lá, sua mãe apostando caixa de cerveja, o que eles devem ter falado...
- E daria pra sentir isso tudo nos cinco minutos que levei também pra contar?
- Acho que não. - ela respondeu, movendo as sobrancelhas como um início de compreensão.

Mexi nos cabelos dela um pouco. Dei uma pausa e uma respirada.

- Então, mocinha... imagina agora que estamos já a algum tempo nesse processo de alongar o tempo, cada vez que conversamos, cada vez que dizemos o que gostamos, sentimos e vivemos. Nessa perspectiva, você ainda acha que as coisas estão indo rápido demais?

Ou sou eu quem tem sentido o tempo do jeito errado?