terça-feira, 20 de abril de 2010

Um truque do lobo.

O que você faz, quando precisa analisar uma situação, julgá-la e tomar uma decisão, sabendo que nenhuma outra pessoa pode intervir nessa decisão, mas ao mesmo tempo, tem a impressão que não pode analisar e julgar essa situação sozinho porque não seria imparcial?

Tempos atrás, um lobo me ensinou o que ele fazia.

Não, ele não era um lobo literalmente. Só usava o título de Lupus.

Ele escrevia pra si mesmo. Mas de uma maneira que fosse como outra pessoa.

Aham, muitas pessoas fazem isso. A maioria acaba confundindo a realidade e ficando louca. E a outra maioria acaba não levando isso a sério demais a ponto de acreditar nas palavras que escreveu. ( E outrossim, não existe uma só maioria. Poderia te dar uma explicação matemática sobre como funciona meu ponto de vista sobre maioria, com vários círculos intercalados. E só aquele espaço que corresponde ao nº Pi que eu chamo de minoria. O resto é maioria.Mas deixa isso pra depois.)

Tive o prazer de um dia ler alguns escritos do lobo. E ao invés de bater palmas, tive a audácia de tentar discordar do eu-lírico que o lobo havia criado. Na verdade, eu não tinha realmente entendido, como o lobo havia previsto que aconteceria.

É, um dia me disseram isso, eu bati pé feito criança mimada. Mas a verdade que há coisas que você só entende quando faz. Que nem passar o dia numa cadeira de balanço.

E, agora, senhoras e senhores e seres que não sabem se encaixar entre isso, vou mostrá-los meu truque de lobo.

-x-

- Primeiro de tudo, nunca, NUNCA, eu disse nunca!, ache que é melhor que esses escritores chatos, filósofos do non-sense ou funkeiros. NUNCA! Isso não é questão de humildade, nem de altruísmo, nem de porcaria nenhuma do tipo. Isso é, camarada, aplicar as táticas de Sun Tzu, como se estivesse numa guerra. E, a partir do momento que você está escrevendo pro público conquistado por esses escritores chatos, filósofos do non-sense e funkeiros sem-cérebro, saiba que você está sim, numa guerra. A eterna guerra por atenção.

Eu olhei pra ele (que é, na verdade, meu reflexo). Vou chamá-lo de spiegel, para não confundir comigo.

- Você não começou o assunto meio conotativo demais, spiegel? - perguntei.

- Foi pra ser impactante, desculpa. - spiegel se desculpou. - Mas continuando... Você vai querer que eu pergunte os porquês de você estar afim de participar do concurso ou podemos pular essa parte?

- Acho que podemos pular essa parte. No resumo, é puro egoísmo pra tentar ser reconhecido. - eu disse.

Quando você fala com o espelho, não compensa mentir, né?

- Ótimo. Agora, pra parte dois. O que os caras que vão ler esperam?

Vontade que deu foi falar "Sei lá, porra! Se eu soubesse, não estaria aqui discutindo."

- Eles não sabem o que esperar. - cabei respondendo.

- E o que isso significa? - Spiegel era insistente nas perguntas.

- Hmn... que o que vai mais chamar a atenção deles é o que for mais fácil pra eles?

Spiegel fez uma careta.

- Se fosse assim, você poderia escrever "mamãe, estou com saudade. Fica com Deus" e ganhar o concurso. - ele disse isso fazendo uma careta, mau-humorado.

Fiquei impaciente com a piada dele e mandei:

- Então, o que significa, ó espertalhão?

- Pra começar, significa muita coisa.

- Ah, que ótimo! Muito bom você me dar respostas que não dizem nada. - dessa vez, eu quem fiz uma careta de desaprovação e sarcasmo quando ele falava.

- Dá pra você ter paciência? Você vive reclamando sozinho que às pessoas não te dão tempo suficiente pra se explicar, e quando eu preciso de tempo pra me explicar, você vai e age que nem elas! - disse spiegel, me repreendendo.

- Okay... se explique então. - eu disse.

- Quero esclarecer uma coisa. A explicação que vou te dar é baseada em comparações. Entendeu?

- Tá, continua.

- A primeira comparação, e mais óbvia, trata de você mesmo. Quando você ouve uma música, como você faz pra saber se gosta dela ou não?

De novo, deu vontade dizer "não sei, cacete!". Mas ao invés disso, fiquei em silêncio, pensativo. Spiegel virou pra mim e disse:

- Vou te dar uma dica, mole. Pra uma pessoa saber se gosta ou não de uma música, ela primeiro precisa escutar ela toda, não é?

- É.

Aliás, pensei, se ela gosta de uma música, ela escuta ela toda.

- E pra escutar uma música toda, a música precisa ser capaz de?

Spiegel fez barulinhos de "tam, tam, tam" e imitou o barulho de tambores rufando.

- Ser capaz de chamar a atenção?

Spiegel sorriu.

- Quase, quase. - ele disse sorrindo, transmitindo auto-confiança.

- Não é só questão de chamar a atenção, né? - arrisquei

Lembrei das notícias sensacionais, dos artistas virtuosos, e dos exageros do dia-a-dia... Não era isso que me atraía, pensei.

Spiegel sorria, sugestivo.

- É além de chamar a atenção... é ser marcante. - dessa vez eu disse afirmando, ao invés das perguntas.

- Que nem no seu poema, Marca-Época. Ser marcante. - disse spiegel rindo. Ele agora parecia orgulhoso do início de compreensão minha.

Eu estava rindo também. Mas ainda estava confuso.

- Tá, mas isso ainda não me leva a nada... como posso ser marcante?

- Essa é fácil de responder, amigo. - disse spiegel. - Tenta lembrar de alguma coisa aí.

- Que tipo de coisa? - perguntei.

- Qualquer coisa. A primeira que vier a cabeça.

Droga, que pergunta idiota. Vou lembrar do quê? Dos meus cabelos lisos, da minha perna dormente por causa de ficar horas sentado, do dever de geometria que estava pra fazer, da minha mãe avisando que trouxe pão? Da maneita estranha que Stéph disse "Pois é"... do sonho que tive?

O spiegel pareceu notar que os pensamentos estavam megamente se formando na minha cabeça. Na hora que ele achou que tinha se formado suficiente, deu uma limpada de garganta e disse:

- Agora... aposto que você, que certamente não é um idiota, teve um zilhão de pensamentos só nesse meio tempo. Analise esses pensamentos... E me diga uma coisa simples. Nesse meio tempo, qual deles que mais chamou sua atenção?

- Er... não sei. Todos pareceram iguais.

- Se você achou que todos pareceram iguais, então sinto muito, mas você não vai conseguir chamar a atenção com o seu texto.

- Hey, isso não é justo.

Parei pra analisar a situação... Acho que o da Stéph tinha me chamado a atenção.

- Eu não consigo dizer qual chamou mais minha atenção. - confessei.

- Mas pelo menos alguns ficaram dividindo sua atenção, né? - spiegel perguntou.

- É... o da Stéph, o da minha mãe... é.

- Então, caro amigo. Você sabe porque lembrou disso primeiro, certo?

- Errado. - falei.

Spiegel me olhou duramente.

- Vou te dizer então. Você escolheu lembrar dessas coisas porque elas eram as mais importantes pra você. As que mais tem haver com você. As mais marcantes. E te digo mais; pra ser marcante, pra chamar a atenção, o que você faz na verdade é reacender essa raízes do comum da pessoa. Tá entendendo?

- Continua. - eu disse.

- Por exemplo, se você fosse escrever pra alguns índios, e nunca tivesse convivido com eles, e quissesse ser marcante perante eles, teria que lhes falar sobre o que é comum pra eles. De preferência, sem que eles percebessem. Como da excitação de ver uma pessoa amada ou a tristeza da perda de um ente querido. O que as pessoas mais tem em comum é o fato de todas sentirem os mesmos sentimentos. Poderia apostar contigo, apesar de não poder confirmar. Mas é bem provável, afinal, 99,98% de semelhança genética tem que garantir alguma coisa pra esse minha afirmação.

- Em resumo, por favor. - eu disse.

- Em resumo, pra ser marcante, você vai ter que ser comum pra eles. Tratar de coisas comuns, da maneira mais comum possível. Pegar nas raízes deles.

- Tá, mas e se eles valorizarem originalidade? Tentar ser o mais comum possível não tem nada haver com criatividade. - protestei.

- Agora, pra parte das comparações que estão fora do seu alcance... Imagina aí uma pessoa. Ela teve uma vida difícil e um milhão de decepções. E já viu mil e umas frases sobre isso, mas só gosta de umas duas, que a consolam mais ou menos. Agora, você vai e dorme com essa imagem dessa pessoa na cabeça. E sonha com alguma coisa que não lembra. Mas tem a sensação de ter sonhado com essa pessoa. Acompanhou?

- Não sei. - disse desconfiado.

- O que você vai fazer, pra ser marcante, é exatamente o papel do sonho nesse caso... transmitir a sensação da imagem. Entendeu?

- Não. - disse com raiva.

Spiegel respirou fundo.

- A originalidade se trata do veículo de transportar a sensação. Você não vai precisar apelar pra novas sensações nem nada do tipo. Mantenha as raízes iguais. Mantenha-se centrado no comum. A parte original, criativa, vai vir de como você vai fazer pra disfarçar que está altamente apegado às raízes da questão. Quer exemplos?

- Quero, e rápido, porque estou sem tempo. - falei. Meu irmão me apressava pra usar o pc.

- O funk, por exemplo. Fala de sexo o tempo todo, certo?

- É.

- A originalidade dele é a forma como ele apresenta aquilo. Poetas franceses também falava de sexo o tempo todo, mas tentando serem suaves. O funk tenta ser maçante. Mas isso é a parte da originalidade. Tenta lembrar aí de algum outro tipo de música e letra que ao invés de apelar pra indiretas, tenta ser direto ao ponto de soar massivo?

- Hmn...

- É claro, nem todo mundo gosta. Mas, ele está enraizado no básico, como eu te expliquei. E mostra a coisa de outro jeito, com um novo adjetivo. Observe seus inimigos... e amigos também, claro. Afinal, é uma guerra pra chamar a atenção.
E o recurso básico é o mesmo. O que você vai ter que fazer, é simples. Procure um adjetivo, mas não desvirtue o básico.

- Droga, vou ter que te abandonar sem ter entendido. - falei.

- É, uma droga mesmo. - disse spiegel. - Mas vai lá... só o esforço de tentar entender já dá mil idéias pra uma pessoa.

...

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